sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Choque de Gerações





CHOQUE DE GERAÇÕES 

  Qualquer daqueles que queira se dedicar a perceber minimamente quanto ao assunto, caso não se deixe levar por uma opinião previamente concebida, seja favorável ou contrária a essa disseminação, notará como tem crescido a quantidade de ambientes que impõem restrição à presença de crianças...

  Não estou me referindo a locais naturalmente impróprios, mas, por exemplo, hotéis e restaurantes, dentre outros usualmente voltados para qualquer faixa de idade, porém, em tempos mais recentes, de tal forma evidentes que acabam ensejando a percepção dessa segmentação.

  Na mesma linha, embora a questão passe pela livre opção de cada qual, chama a atenção o incremento de publicações motivadoras à vida sem filhos, ressaltando, dentre outros, aspectos extremamente caros ao mundo moderno, como liberdade e prosperidade econômica, por exemplo. Aliás, quanto a isso, forçoso reconhecer que atualmente está bem mais evidente, porém, não sendo de hoje que a reprodução sofre concorrência cada vez mais desleal em relação à produção, aspecto sagazmente explorado pelo imponente “ativismo econômico”, logo, a emprestar colorido todo especial a medidas que importam à redução da taxa[1] de fecundidade.

  Interessante, por sua vez, que na esteira do vácuo deixado pelo desprestígio às crianças, o mercado de animais de estimação, carinhosamente conhecidos por “pets”, se transforma em um formidável “nicho de mercado”, movimentando cifras extraordinárias, avançando em direção à ocupação de fatia maior de espaços, inclusive em locais outrora inacessíveis, ou, no mínimo, onde eram avistados de forma extremamente tímidas, como, por exemplo, paradoxalmente, naqueles acima mencionados como progressivos em restrição à presença de crianças.

  Como os argumentos são os mais variados possíveis, fico, portanto, a imaginar, se algum dia chegaremos à necessidade de submeter estabelecimentos, em geral, ao cumprimento de regras relativas a “cotas” para crianças...

  Fato é que, em um universo mais amplo, a naturalidade quanto aos filhos se transformou em uma equação de difícil resolução, cheia de pormenores, um ambiente cada vez mais inóspito à sua recepção, amoldando-nos, inconscientemente, a reforçar essa situação.

 Curiosamente, não por acaso, esse processo ocorre no exato momento em que se transmite uma necessidade sôfrega de alcançarmos centenas de anos de vida. Assim, enquanto a concepção se transforma num vestibular de cada vez mais difícil aprovação, a longevidade, por sua vez, uma espécie de perseguido bônus pela não reprovação!

  É nesta mesma época que se conseguiu a incrível façanha de associar, marcantemente, nascimento a descuido, dando vazão à proliferação massificadora de métodos de contenção, ao mesmo tempo em que se carreou o sexo para o patamar de uma trivial forma de lazer.

  O mais grave, contudo, é a negativa em reconhecer direito a quem passou no vestibular, como se, por algum motivo, em situações que cada vez mais se busca ampliar, tivesse fraudado o certame, impingindo-lhe pena capital do aborto.

  Nasci na época dos “baby boomers”. É impossível não se lembrar que crescemos embalados pelo sentimento repetido a todo canto de que éramos “o futuro da nação”! Afinal, a vida é uma maratona de revezamento, cujo bastão apenas ora está conosco.

  Legitimamente, os outrora “baby boomers” querem carregar o bastão pelo maior espaço de tempo possível. Mas, em algum instante, , por mais que se evolua em métodos para tal, podem não ter força para conseguir fazê-lo sozinho. Impossível não pensar que em um momento cada vez mais próximo, como entoam os sentimentos repetidos a todo canto, “o futuro da nação” continuará sendo nós mesmos, porém enquanto “old boomers”...

  Em termos econômicos, a principal sutileza está no pseudo e inebriante poder que isso proporciona, alongando a dependência das gerações sucessoras, porém, diminuindo-lhes a capacidade de autogestão, moldando políticas de mercado - fortemente lastreadoras das públicas e não o inverso, como deveria ser - em torno da apropriação da maior fatia possível desse “filão”, como sugere o fenômeno da “geração nem-nem (nem estuda e nem trabalha. E porque e como todos o fariam, diante de uma massa cada vez maior de desempregados, ultrapassando os 14.000.000 só no país?).

  Também o crescente fenômeno da “previdência privada”, desde o dia do nascimento, quando não se sabe sequer como será o dia de amanhã. O dever de alimentos e do próprio abrigo no lar, estendidos para idade cada vez mais distante dos 18 anos, como disciplina a Constituição Federal, no artigo 229[2]. A propósito, aumentam, inclusive, os casos de responsabilidade complementar dos avós por prestar alimentos aos netos.

  Aliás, com o lar se transformando em local de rápidos encontros de seus habitantes, cercados de afazeres fora dele, fica-se a imaginar como as nossas crianças, cujo tempo outrora voltado à convivência familiar encontra-se cada vez mais terceirizado para outras pessoas e instituições, se portarão, quando adultos, perante os seus pais idosos, se esses necessitarem de cuidados especiais.

  A questão fica ainda mais alarmante se analisarmos que além do quadro atual não ser dos mais agradáveis, a média de filhos dos futuros idosos, a dispensar-lhes cuidados especiais, em caso de necessidade, já é inferior aos pais que os geram, o que se soma, ainda, a uma expectativa de vida maior e com os genitores menos sujeitos a viverem juntos até o fim de suas vidas.

  Trata-se, portanto, de um conjunto de fatores que costuma ser abordado de forma fracionada, como se não estivessem interligados, a sugerirem políticas públicas voltadas para a valorização do corpo social, a família, base que precede a cada qual dos membros que a compõe, dia a dia mais arrastados à individualidade como sendo o todo.

  Se avançamos de tal forma que praticamente cada um dos membros goza de normas que visam à sua promoção, individualmente, por outro lado, parece que nos esquecemos que o braço e a perna, de alguma forma, se interligam, entre si e com o restante do corpo.

  Ou, enfim: se não houver a promoção do corpo social, que é a família, a política voltada para cada qual dos seus membros apenas camuflará a falência geral: morre o corpo, agonizam os membros, anestesiam os órgãos...

  Se a família, enquanto estrutura basilar, não for voltada para a consolidação de objetivos comuns, o lar acaba se transformando em um espécie de “self service”, onde o objetivo passa a ser se servir da melhor forma possível, mediante o menor custo, de modo mais rápido e com o mínimo de compromissos com o que fica para trás. 

  Ocorre que se até uma pousada possui regras, a relação entre pais e filhos não pode, evidentemente, deixar de evidenciá-las, pois embora tenha se tornado bem mais comum a presença do salutar diálogo, diga-se de passagem, esse deve estar inserido em um contexto onde não se desnature a necessária autoridade ínsita à condição de pais.

  Daí advém o importante aspecto relacionado aos limites, já que esses se mostram necessários, pois ínsitos à criação. Por mais que seja extremamente relevante o exercício da arte de negociar, a possibilidade de imposição, como característica inerente ao cumprimento da regra, deve ficar bem nítida na relação.

  É óbvio que essa ferramenta, essencial ao processo de criação, encontra os seus limites na legislação vigente no país, embora exista margem extremamente ampla para que os pais exerçam o seu papel inerente à criação, baseados em parâmetros de proporcionalidade, ou seja, dose de acordo com a necessidade, ressalvando-se que quanto mais tardar o início deste processo, maiores as chances do remédio apresentar menos efeitos, ante às possibilidades de agravo do quadro.

  A propósito, que fique expresso que uma relação entre amigos não guarda, em sua essência, a delimitação de limites por parte de um e a obediência por parte do outro, diferente do que ocorre com a paternidade.

  Logo, não se pode confundir paternidade com amizade, o que, a rigor, não representa nenhum obstáculo à construção de parâmetros sólidos de confiança, respeito e afeto, comuns tanto a um como ao outro, embora o processo de criação estabeleça como premissa básica, norteadora da relação, a direção por parte dos pais e a obediência por parte dos filhos, enquanto menores.

  E, convenhamos, se com limites já é extremamente difícil criar, sem eles a missão se torna bem mais complicada.

  Contudo, o que não falta é diversão para anestesiar-nos das graves consequências desse nítido choque de gerações. Tanto que os adultos estão cada vez mais infantis. Muitas vezes até mais do que os próprios filhos. Verdadeiros “bebezões” (se as crianças não são infantis, a infantilidade é dos adultos!). Logo, no sentido inverso, para as inexperientes crianças, cada vez mais cedo, haverá um vácuo que tenderão a tentar ocupar, portando-se como verdadeiros “chefinhos da casa”. 

  A rigor, no fundo, antes da imposição de limites para os filhos, quem está mais necessitando de limites, primeiramente, são os pais. 

  Nessa linha, embora constitucionalmente as crianças e os adolescentes sejam previstos como “prioridade absoluta”, naquilo que efetivamente importa, não é incomum serem tratados como acessórios e não o principal, já que a “prioridade absoluta”, no fundo, parecemos ser nós mesmos. Especialmente no caso de desentendimentos e rupturas dos “gestores” das vidas dos rebentos. 

  Enfim, a família não é apenas um aglomerado individualizado de membros sob um teto comum, mas uma instituição voltada para convivência comum e que, necessariamente, nas várias etapas da vida, deve administrar aspectos não tão simples, mas decorrências naturais da sua existência, como alegrias, tristezas, reciprocidade, tolerância, cuidados, receitas, despesas,... Ufa! 

  É um trabalho tão hercúleo que aproveitando o fato de já termos chegado à “Geração Z”, temos um alfabeto completo para tentar se desincumbir da tarefa, já que uma letra sozinha o máximo que conseguirá é o q? 
 


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[1] Termo que, aliás, acho horrível, pela inevitável associação ao tributo, prestação pecuniária.
[2] “os pais tém o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Sem explicação



SEM EXPLICAÇÃO 

  Quatro dos meus seis filhos, os mais novos, participaram da 16ª Corrida Garotada, no dia 02.09. O mais recente deles, de 6 anos, embora tenha chegado perto, não alcançou premiação. Porém, no dia 02.07, vencera uma bateria da também concorridíssima Maratoninha da Caixa, recebendo uma bicicleta pelo feito. Já as três irmãs, de 12, 14 e 08 anos, respectivamente, alcançaram o 1º, 2º e 3º lugares nas distâncias de ½ milha (12/13 anos), 1 milha (14/15 anos) e 400 metros (08/09 anos). 

  Como o fato gerou curiosidade e, certamente, as vitórias são sempre almejadas por todos, levando inclusive alguns a me perguntarem “o segredo”, já que foram três de quatro pódios possíveis (“não digo que não me surpreendi”), que dificilmente se repetirão, procurarei destrinchar algumas considerações sobre o ocorrido.

  Primeiro é que nenhum deles faz da corrida a sua rotina esportiva, ainda que, todos, dos 5 aos 10 anos, frequentem a natação, aqui sim, lhes sendo exigida disciplina de atleta, embora apenas dois dias por semana (porém, seja na “alegria” do calor, na “tristeza” do frio!...). A rigor, a corrida começou e ainda é muito utilizada como “aquecimento” (mas como a “brincadeira” foi ficando mais séria, estão cada vez mais “aquecidos”, hehe). 

  Então, é o fato de serem menos exigidos na atividade “secundária”? Como são muito menos exigidos, aceitar tal hipótese como verdadeira, serviria apenas como desculpa para preguiçosos, o que não são. Porém, uma coisa é certa e ninguém vai discordar: o exercício de mais de uma habilidade, com as ponderações necessárias, com certeza, auxilia a todas elas!!! 

  Fator genético? Embora, obviamente, exista carga de fator genético comum a eles, “cada qual é cada qual”. Logo, as habilidades de cada ser humano, mesmo irmãos, além de serem diversas, nunca serão numa mesma proporção. Não existem dois Pelés, dois Messis, dois Neymares, dois Usain Bolts,... 

  O Professor? Claro que são extremamente importantes, daí a oportunidade de agradecer ao Professor Luiz Claudio Ventura pelo apoio e orientações, já há algum tempo, e ao Fernando Paes, mais recentemente.

  Uma soma de tudo? Sei lá!!! Se for, vale acrescentar a rotina de vida bem disciplinada, desde dormir cedo e acordar idem, para dar mais tempo de fazer outras coisas além de esporte, né?!

  Bom, como “não tem explicação”, prefiro acreditar em um pouco de cada coisa, além do fato daquela bicicleta que o mais novo correu tanto para alcançá-la ter sido doada, já que ele tanto queria, mas não precisava.

 Isso sem contar o fato da mãe, professora de matemática, ser fã incondicional da multiplicação, crendo, piamente, que cada nascimento já traz consigo os seus troféus.

 Pronto! Propagam tanta fórmula maluca para justificar o alcance de um objetivo, que acredito não ter trilhado caminho tão absurdo para esclarecer o acontecido, embora, definitivamente, assim como um “segundo sol”, “não tem explicação, não tem, não tem”!