domingo, 31 de outubro de 2021

Foi o meu grande JUDICEÁRIO!

 FOI O MEU GRANDE JUDICEÁRIO!

Passei parte do dia decidindo se iria e, caso superada tal premissa, como faria para comparecer... A logística seria complicada! Além do mais, "trairia" algo que para mim é tão marcante, que acabei registrando, de forma sintética, em meio a outros, num livro de pensamentos: - se o lugar em que você mais se reúne com conhecidos de um passado distante é em velório ou na seção eleitoral, o que, aliás, muito entendem como a mesma coisa, significa que vocês precisam reservar mais tempo para se reunirem!

Ah! Não era velório, nem seria aquele encontro que de vez em quando "marcamos" na seção eleitoral. Antes fosse este último, porém, cuja próxima data está agendada para o ano que vem. Tratava-se, enfim, de decorrência daquele primeiro fato: uma Missa de Sétimo Dia!

Decidi ir! Aliás, no fundo, não poderia ser diferente, eu bem já sabia!... Deveria ter feito isso algumas vezes antes, quando o corpo ainda estava aqui, conosco, rezando, presente, suas próprias Missas; mas nessa, especial, seguramente, a alma estaria e isso acaba confortando, um suave consolo a amenizar o lado humanamente descontente!

Deixei o carro em Bento Ferreira, entreguei a chave na portaria da escola, para a esposa e filhos seguirem, após a labuta diária, enquanto eu, "folgado" nesse dia, pensava em como rumar até à Igreja, na Praia do Canto. Como faltava mais de uma hora, resolvi ir caminhando e meditando. No trajeto, passando pela Avenida Carlos Moreira Lima, reconheci o número 80. Ele mudara dali já há anos. Mas, aquele era o teimoso endereço em que habitualmente "o avistava", com os olhos de minha mente, como hoje, mais uma vez o fiz, embora de maneira bem mais detida e refletida.

Isto também ocorre quando passo pela Rua Alberto de Oliveira Santos, nº 42, edifício Ames, no centro de nossa capital. Frequentei bastante as salas 1714/1715 e, embora ali também não mais se estabelecesse o seu escritório, para a nostalgia que multicolore nossa vida, continuava e sempre continuará a se localizar.

Porém, tudo começou mesmo foi no 5º andar, do edifício Fábio Ruschi, também situado no Centro, em 1982. Estudante do nível médio, curso técnico de administração, fora aprovado para estagiar na então Companhia Vale do Rio Doce. Conforme ocorreu com vários outros, eu podia ter sido lotado em Cariacica ou Tubarão, por exemplo. Mas, quis o destino, que ficasse em Vitória e fosse lotado no setor jurídico da Cia., localizado na Avenida Governador Bley, 236 (endereço onde, curiosamente, cerca de dez anos depois, seis andares acima, tomei posse no meu atual cargo público).

Até então nunca tivera contato com o ramo do direito, sequer sonhava com vestibular, apenas ia encarando as ocupações de acordo com as oportunidades que surgiam. Registre-se, entretanto, que ali trabalhava uma formidável plêiade de Advogados, que prefiro não nominar, para não correr o risco de esquecer de alguém.

Mas, o meu "ídolo" mesmo era o servidor José Carlos Ferreira Simôr, com sua genialidade extrema naquelas então poderosas e moderníssimas máquinas de escrever IBM elétricas. Findo o meu estágio, sem que recebesse aquele impossível convite para seguir na CVRD, como eu não era tão bom, mas nenhum "catador de milho", fui convidado para um "teste" no escritório de advocacia de um dos Advogados, acabei contratado e me tornei auxiliar de escritório do "Abreu Júdice", aos 01 de março de 1983.

Ali eu fui verdadeiramente apresentado ao Judiceário, através daquele que considero o maior responsável pelo curso que fiz, além de ter se tornado o meu maior mestre nele, embora não tenha sido tecnicamente seu aluno: Dr. FERNANDO DE ABREU JÚDICE (infelizmente, reduzidíssimo foi o contato com os Drs. José Ricardo de Abreu Júdice e Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon, à época frequentando mestrado na PUC-SP).

Todos que o conheceram sabem bem que ele não só era taurino, mas o próprio touro! Para ilustrar, sem pretensão de enganar ninguém - e, primeiramente, nem a mim e nem à memória dele mesmo - eu nem era o Luiz, mas o "Colored", adjetivo inimaginável para se referir a alguém nos dias de hoje! Para mim, todavia, isso pouco importava, porque eu precisava do emprego, primeiramente, não nego, mas também, no fundo, porque ele realmente gostava muito, bastante de mim! E me forçava a ser bom naquilo que eu fazia para ele, o que compreendo perfeitamente, porque, para mim, ele era simplesmente o melhor e, se não fosse assim, eu não serviria para ele!

E cá entre nós, conviver com os melhores não é nada fácil, mas, pensando por outro lado, é uma das maiores oportunidades que se tem para que você também melhore!

Logo, eu também fui ficando melhor! Afinal, ao mesmo tempo que me cobrava, me empoderava! Com pouco tempo, passei a conseguir acompanhar seu raciocínio e concatenação fenomenais, ao datilografar as incríveis petições, de várias laudas, com seus "escorços históricos", substanciais preliminares e profunda sustentação meritória, sem nenhum "ctrl c, ctrl v", criadas e ditadas instantânea e diretamente para mim, sem minutas, papeis ou intermediações!

Minha datilografia, mesmo sem curso específico para tal, melhorou "a toques não vistos" (inclusive foi fundamental para posterior aprovação e alcance de boa posição em um concurso), meu português idem e, principalmente, o gosto e o conhecimento tocante às "primeiras linhas" do direito!

Passou a não perder tempo com diversos "atos burocráticos", como procurações, por exemplo, deixando-as por minha conta! Conhecia o CPC inteiro (à época vigia o de 1973), de tal forma que artigos 267, 269, 282, 295, 301, dentre outros, se tornaram companheiros mentalmente íntimos também para mim...

Muito devido a essa "escola" que tive, apesar de ainda não frequentar o curso de direito, na prática eu já tinha "aprendido bastante" (tanto que, na verdade, o resto, depois da aprovação no vestibular, me desculpem pela franqueza, foi "muito fácil").

Enfim, para trabalhar com o Dr. Fernando, não tinha dia e nem hora! Vem à memória as noites e finais de semana que permanecemos no escritório, algumas vezes rumando também para Cachoeiro de Itapemirim, na companhia de seu fiel motorista, Osmar Moreira Dias, ficando eu todo orgulhoso pela contribuição para a pintura que, ao final, era assinada pelo artista, embora dificilmente reste preservada, em sua forma original, no seu devido lugar, em algum "espaçoso" escaninho da "história", em razão da forma avassaladora como, misturada a tantas outras, com ou sem expressão, são fugazmente "digitalizadas e descartadas".

Embora tenha trabalhado "informalmente" em alguns locais, antes do estágio, o escritório "Abreu Júdice" é o primeiro registro em minha carteira de trabalho, cujas folhas, a propósito, para ora fazer judícea histórica, não contém os extras que de vez em quando recebia, ainda que, até mais que isso, me cativava imensamente, ora confesso de forma espontânea, aquele suculento "marmitex" do Alice Vitória Hotel ou da "Baronesa", para que nossa "máquina" continuasse funcionando a pleno vapor.

Eu fiquei no escritório durante cerca de "cinco períodos", assumindo, a seguir, cargo alcançado em um banco, indo trabalhar no interior do estado, embora, no ano seguinte, tendo retornado para a capital, ainda fizesse alguns trabalhos para o mestre e sua equipe, concomitantemente com um cursinho pré-vestibular intensivo, sendo, então, aprovado para o curso de direito na Ufes, o qual, muito em razão do "estágio" e "prática forense" anteriores, foi concluído em menos períodos do que o previsto para a grade curricular.

Faço esse "escorço histórico", que obrigatoriamente me envolve, não com o prazer de dizer sobre mim, mas pelo tanto que este caminho eu devoto a ele, com eterna gratidão!

Cheguei à Missa com alguma antecedência! Lugar e momento para reflexões únicas e mais profundas!

Assim estava! Contudo, ciente da imensa fila que se formaria, ao final, para externar os sentimentos à querida Ana Rita Marques Júdice, filhos e demais familiares, bem como, acreditando que o término da Missa coincidiria com a "carona" que pretendia pegar com minha esposa e filhos em direção à nossa casa, fui até os mais próximos e caros ao falecido, cumprimentei-os e retornei para o meu assento.

Foi uma Missa profunda e maravilhosa! Uma hora apenas, mas que significa muito, tanto para quem foi, como para quem "partiu"! Fiquei muito feliz por ter ido! E bastante emocionado!

Embora fizesse força para focar atenção no "Padre e na Missa", a mente "viajou" bastante! Em uma dessas "viagens", me pus a pensar na "maratona de revezamento" que é a vida, cujo nosso principal papel é entregar o bastão para que o próximo, mais próximo, continue carregando-o, permitindo-se manter a chama, desde que o pavio se acendeu, há "quilômetros" de tempos atrás!

Somos os conduzidos, depois os condutores, por algum tempo "corremos ao lado", até que somos definitivamente ultrapassados, cruzamos a nossa "linha de chegada", enquanto os que permanecem, seguem lutando para conquistar, diariamente, suas "medalhas", como também ocorre quando dão uma pausa para agradecer e rogar para que todos recebamos, ao final, o nosso "troféu", prometido pelo "Organizador"!

Sim! A noite era festiva! Como dissera no início, é o momento indesejado, mas inevitável e exclusivamente próprio, em que muitos que não se vêem, há anos, "se reúnem" em torno do "anfitrião", numa aura humanamente incomparável, em torno dos melhores sentimentos que podemos ter na vida e sobre a vida. De forma tímida e respeitosa, oram, se cumprimentam e se alegram. Eu mesmo desejo muito que isso ocorra quando for a minha vez de cruzar a "linha de chegada"!

Para ilustrar, como penso que assim deve ser, a própria Missa não foi "lamuriosa"! A propósito, o mesmo ato que celebrava o sétimo dia de passamento do Dr. Fernando de Abreu Júdice, se identificava com outras três situações, além de dedicada a um dia da morte de um, dois dias da de outro, aniversário de casamento de 29 e 44 anos de dois casais, 16 anos de Ordenação Sacerdotal do Padre que celebrava a Missa,... Isto apenas ali e afora as "demais intenções que trazemos em nossos corações". Para terminar, a emocionante e inspiradora mensagem, por todos e para todos, elaborada e lida pelo filho Rodrigo! Seguiu-se a benção! Estava terminada a Missa!

E agora?

Dr. Fernando de Abreu Júdice se foi desta vida, porém continuará marcante para muitas no decorrer delas. Com judícea, será nome de rua, talvez de praça, prédio e não sei mais de que forma a imaginação será utilizada para homenageá-lo. Naquilo que sinto caber a mim, modestamente, ofereço este pequeno capítulo de sua história, naquilo que muito diz respeito à minha!

Diante dos fatos, Dr. Fernando, foi a forma que encontrei para lhe informar, "sem rebuços" (rsrs), que o seu pedido foi deferido, pois, como sentenciou o Padre, em inapelável instância, fundado no melhor Direito: "a morte não terá a última palavra!"

Conforme tanto gostava: "tollitur quaestio"!