quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

O político eletrônico

 

O POLÍTICO ELETRÔNICO*

A propósito das inovações tecnológicas substitutivas de postos de trabalho da população, já seria imaginável, também, conviver com o político eletrônico?

Apresentada como parceira, especialmente na execução de atividades perigosas e insalubres, visando proporcionar mais tempo livre para o bem-estar do ser humano, a automação foi ganhando espaço em nosso meio, nas últimas décadas, até que, mais inserida, passou a alcançar, também, trabalhos tidos como repetitivos ou burocráticos, sob premissa de mais agilidade, competitividade, produtividade, dentre outros fortes argumentos para opor-se às previsíveis resistências.

Assim o ser humano foi se acostumando com a ideia de que suas habilidades para o trabalho devem acompanhar e se adequar ao ilimitado avanço das inovações, agora já no fantástico estágio da inteligência artificial, para que não seja varrido do ciclo evolutivo.

Porém, tivessem as inovações substitutivas no campo do trabalho se iniciado pelas posições mais elevadas, induvidoso que não estaríamos diante de uma visão tão desumanizada quanto ao tema, pois os rumos, certamente, teriam sido mais equilibrados.

Fato é que, atualmente, a solução mais adequada de gestão, parece vir quase sempre acompanhada da diminuição da necessidade de alguém, mediante implantação de alguma coisa, tanto maior o encantamento, quanto mais rebuscada e ousada esta for!

Ora, se é assim, não há dúvidas de que a implantação do "político eletrônico", como várias outras posições socialmente proeminentes, é apenas questão de um tempo maior, aliás, devido bem mais ao poder inerente aos cargos, do que, propriamente, por espírito tecnológico-evolutivo e econômico-financeiro.

Vale lembrar, em contraponto, que mesmo sendo absolutamente ignorada, desde 1988, portanto, há 35 anos, o país dispõe de norma constitucional que garante a "proteção do trabalhador em face da automação".

Embora pareça uma "lei dura", ainda assim, "é lei" ("dura lex, sed lex")! Logo, o mesmo "laissez faire" (deixa fazer), que, quanto mais o tempo passa, mais consolida a inteligência artificial que sustenta o distanciamento da norma, será aquele que caberá quando se tratar de qualquer ocupação ainda não alcançada.

Mas, certamente, "não haverá motivos para preocupações", já que, como é comum, nessas situações, se disseminará que a diminuição ou extinção dos cargos, a serem ocupados pelos "políticos eletrônicos", será absorvida mediante as "novas habilidades e oportunidades em surgimento".

E, o que é ainda mais sagaz: diferentemente da imponência que geralmente a acompanha, a inovação não inviabilizará que a população continue indo às urnas, podendo optar por votar em políticos, humanos e imperfeitos como nós, ou no "político eletrônico", evoluidamente criado e cada vez mais preparado para, no mínimo, assombrar-nos a todos, enquanto trabalhadores, indistintamente!



* Publicado no Jornal A Tribuna, sessão "Tribuna Livre", p. 16, em 16 de fevereiro de 2024.