sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Delação premiada


DELAÇÃO PREMIADA 

   Pouca gente sabe a origem da delação premiada, atualmente tão festejada devido à contribuição que vem proporcionando para elucidação de muitos crimes praticados por integrantes da alta cúpula governamental e sua rede de conchavos, levando vários de seus integrantes para a cadeia, recuperando parte de altas somas de dinheiro público desviado e, principalmente, ferindo, significativamente, o clima de impunidade que costumava reinar nesse meio.

   Embora, sem dúvidas, muito mais sofisticada, ela tem inspiração nas famílias de outrora e era comumente utilizada pelos pais para descobrir os autores de certos atos indesejáveis, não que os “crimes” fossem assim tão graves.

   Funcionava mais ou menos assim: diante daquela “penca” de filhos, chegava-se e falava-se que se não aparecesse o autor do “mau feito”, todos iriam apanhar! Difícil não aparecer... Algum deles, se tivesse conhecimento, geralmente, “delatava” e estava encaminhada a situação... O prêmio? Ora, não apanhava! 

   Dito isso e como hoje há um patrulhamento muito grande sobre o que cada um diz - a tal ditadura do “politicamente correto” - apresso-me em me defender, frisando que não estou fazendo apologia a tal comportamento, apenas “cronicando” sobre o tema, sem graça nenhuma se não estiver preso à foragida liberdade de expressão, esperando que não seja delatado por isso, numa espécie de vingança extratemporal contra os pais de outrora, cuja extinção impede a maciça assinatura do “habeas corpus” que fariam em meu favor, incondicionalmente.

   É certo que houveram e ainda há graves deturpações do instituto, como nos casos em que agentes do Estado, não tão raramente assim, fabricavam delações sob as formas mais cruéis que se possa - ou não - imaginar, levando, muitas vezes, inclusive, à criação de cenários totalmente desconformes à realidade, exemplo que ora se traz para evidenciar que uma ideia pode ser originariamente boa ou ruim, mas a sua execução é que vai deixá-la melhor ou pior, daí a única coisa verdadeiramente séria deste texto que é a oportunidade de felicitação àquele contingente de agentes públicos que tem feito estremecer enraizadas estruturas do crime organizado no país, todos bem sabendo a quem ora me refiro, em nome dos muitos outros, aqui e acolá, que também trilham esse caminho, contribuindo para uma nação melhor.

   E como um caso leva a outro, estou defronte a uma notificação de autuação lavrada pela autoridade de trânsito, diligentemente entregue, via correios, em minha casa, onde ao final dela consta oportunidade para a “declaração de indicação de real condutor”, com a sigla DIRC.

   Como disse, uma ideia pode ser boa ou ruim, porém o que vai deixá-la melhor ou pior é a sua execução. Sob tal pálio, aliás, é comum notícias no sentido de que uns transferem, indevidamente, responsabilidades para outros, existindo até comércio em tal sentido. 

   Óbvio que o Estado deveria ser bem mais cauteloso com relação a essa “delação”, além de fazer constar no impresso que “o declarante é responsável nas esferas cível-administrativa pela veracidade das informações”.

   A regra é que o autuado seja notificado instantaneamente da suposta infração, até mesmo para que se possa atender, adequadamente, ao princípio constitucional da ampla defesa, já que de ninguém se pode exigir comportamento quase doentio de registrar e ir acumulando provas diariamente do seu cotidiano no veículo, a fim de garantir-se de qualquer possível notificação porque o Estado, numa posição cômoda e rentável, fragmentou e postergou uma atuação ininterrupta e flagrancial que se inicia com a constatação da suposta infração e termina com a cientificação do suposto infrator, salvo não seja possível fazê-lo (não significa preferir outro caminho).

  No caso concreto, o carro que se encontra registrado em meu nome, no período encontrava-se com a minha esposa e vice-versa no que tange ao dela.

  Acrescento que além das advertências constantes do impresso relativo à autuação, o código penal estabelece que se trata de crime “... fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita...”.

   Ora, sei que o carro estava com ela no período! Mas não posso declarar (“delatar”) que “no dia e hora da autuação ela conduzia o veículo. Eu não estava lá... Como posso declarar isso, sob as penas da lei? Pode ser mais fácil, cômodo e rentável o Estado optar por essa linha. Mas que ele deveria concluir, devidamente, a sua atuação, não resta dúvida, ao invés de transferir para o autuado, como vou tentar, dificilmente, convencê-lo através das vias próprias. 

   Por fim, mesmo que tivesse certeza de que a minha esposa cometera a infração, também não seria eu a “delatar” para me safar, assim como tenho convicção de que a reciprocidade ocorreria. 

   Uma delação leva à outra e pode acabar desmantelando a “quadrilha” que os pais formam com os seus filhos, inclusive, não raro, fazendo chegar aos tribunais os vários “crimes” cometidos por um ou por outro, ou por ambos, enquanto cúmplices durante a “associação criminosa”.

   Prefiro seguir na linha de que o casamento é o crime mais perfeito que o ser humano comete contra alguém, nem que para isso se proponha a também assumir a condição de vítima para o resto da vida. 

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