quinta-feira, 1 de maio de 2014

Vista para o mar

     VISTA PARA O MAR

  Achava ele que finalmente chegara o momento de realizar o grande sonho de sua vida: comprar um apartamento com vista para o mar!

  É isso! O que seria de nós se não sonhássemos acordados, com algumas coisas que muitas vezes são tão reais em nossos sonhos noturnos e se evaporam tão logo despertamos?...

  Mas... Um apartamento com vista para o mar? Parece ser mais fácil um casamento (desde que não se exija que o alguém more de frente para o mar, não parece tão difícil assim), um emprego (fora da época braba de crise como atualmente vivemos, também não parece muito improvável), tornar-se um jogador de futebol (serve nos campinhos de futebol no final da Praia de Camburi?). E por aí vai.

   Aliás, tudo isso se tornara realidade, com a modéstia que lhe falta no tocante ao sonhado apartamento.

   Casou-se com Martiniana, uma esposa adorável, extremamente dedicada ao marido, aos dois filhos (Martini e Ana) e que tão bem zelava da casa simples, de cinco cômodos, que haviam adquirido há cinco anos, mas ficava distante 5 quilômetros, 102 metros e 43 centímetros da praia, como o próprio Edgardo Médio medira, com a sua inseparável fita métrica. 

  Trabalhava como operador de máquinas, profissão que lhe garantia retorno suficiente para o sustento da família e, com certo aperto, uma grata poupança, onde procedia a rotineiros depósitos, desde a época das pequenas mesadas, que recebia dos pais, quando ainda era bem menino. Embora nunca tenha comentado para ninguém, o grande sonho vinha desde essa época.

  Meia-atacante, habilidoso com as duas pernas, como faz questão de dizer, acredita que não teve sucesso no futebol por falta de um empresário de visão... De qualquer forma, aos domingos, logo após a Missa matinal, estava quase sempre ali, nos campinhos do final da Praia de Camburi, onde o seu passe era extremamente disputado!

  O único domingo que faltara ao futebol nos últimos vinte e cinco finais de semana foi para ver de perto algo que lhe chamou atenção em um anúncio de jornal (tinha o hábito de pedir os classificados de jornais comprados pelos amigos, economizando até o dinheiro do periódico para a realização de sua “boa causa”). 

  Indicava o anúncio: “Vd apt°. V. P. Mar. Brt. Aperto. 6021-0126”. Imaginou: é minha chance! Afinal, apartamento com vista para o mar, em ocasião de aperto pode ser barato mesmo. Até o anúncio é econômico, coitado! Quem sabe? Agendou por telefone e foi até o local.

  O apartamento era realmente barato. Porém “V. P. Mar” não era propriamente “vista para o mar”, mas “Vila Princesa do Mar”. Vila sim, princesa não, mar... Muito, muito distante. Mais até do que a distância da atual residência de Edgardo e as águas do seu sonho!

  Outro anúncio: Aptº. Vista p/ o mar. Cabe no seu bolso. Tratar: Rua Aimorés, 01, Bairro Filomena.

  Ainda mais depois da experiência vivida com o anúncio anterior, ficou em dúvida: afinal, o que cabia no bolso? O preço ou o apartamento? Esses anúncios de duplo sentido... Podiam até lhe tirar o sorriso, mas não o sonho!

  Foi até o local e parcialmente não se sentiu enganado pelo jogo de palavras. Apesar do apartamento bem pequeno, não era nenhuma maquete anunciada como quitinete. 

  Como já saiu de casa com o aval da esposa, compraria o imóvel, que “cabia” realmente em “seu bolso”, não fosse um pequeno imenso detalhe: a vista era para o mar porque a construtora que adquirira todos os lotes da região, estava construindo aos poucos, por razões ardilosamente óbvias, partindo dos terrenos mais longes do mar para os mais próximos.

  Era o primeiro prédio em construção, que distanciava uma imensidão da praia. A vista para o mar seria muito, mas muito passageira.

  Não aceitou e ainda aprendeu a sutil diferença entre “vista para o mar” e “vista ‘eterna’ para o mar”, como lhe explicou o corretor.

  Deu atenção a alguns outros anúncios, como um em que, chegando ao local, o proprietário lhe conduziu a um dos dois quartos do apartamento, onde, de binóculos, subindo na cama, retirando o ar condicionado do buraco onde se localizava, dava para visualizar algo que realmente parecia o mar...

  Em outra situação, a vista era para Omar (maldito jogo de palavras), um sujeito que morava no apartamento de frente e tinha uma cara muito brava...

  Caiu na realidade: o seu dinheiro não dava para realizar o grande sonho.

  Talvez num futuro muito, mas muito distante, quem sabe?

  E, conformadamente, pensou: quer saber de uma coisa? Acho que seria muito frustrante realizar o meu grande sonho. Com o que eu iria sonhar?

  Resolveu descansar um pouco do sonho, sentado ao lado da esposa e filhos, no sofá da sala (onde existia um quadro quase do tamanho da parede, onde só se via mar) e falou para os mesmos: como sou feliz, sonhando ou acordado, ao lado de vocês!






2 comentários:

  1. Parabéns pelo novo talento "blogueiro"...também com tantas inspirações é mesmo bom compartilhar...quem sabe este é o dom...além da bela família sempre presente...
    Abraço
    Angelo

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  2. Sempre com uma visão realista e bem família! Continue transmitindo isto e o pedaço do mundo que ouvir, este pedaço será melhor.
    Um abraço meu irmão!
    Rodgers.

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